Por qual motivo a Turquia dirá não à Finlândia e Suécia na Otan?

Recep Tayyip Erdogan faz jogo duro para entrada de Finlândia e Suécia na Otan

Recep Tayyip Erdogan faz jogo duro para entrada de Finlândia e Suécia na Otan
Adem Altan/AFP – 18.5.2022

A Turquia, por meio do presidente Recep Tayyip Erdogan e seus ministros, declarou publicamente ao longo das últimas semanas que votará contra a entrada da Finlândia e Suécia na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Os Estados Unidos, líderes da Aliança Militar, já mostraram seu descontentamento com a posição turca e tentam negociar com Ancara o voto a favor para finlandeses e suecos. Para que um novo país entre na Otan, os 30 Estados-membros devem votar sim para a adesão.

Erdogan, por sua vez, disse repetidas vezes que Finlândia e Suécia abrigam os terroristas curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que buscam há décadas separação da Turquia e a independência da região sudeste do país.

O professor de relações internacionais da Facamp (Faculdades de Campinas) James Onnig explica que a relação da Suécia com os curdos existe desde os anos de 1970, quando ocorreu um golpe militar na Turquia, levando à perseguição dos povos do Curdistão.

“Existem curdos na Suécia há muito tempo. O que os turcos dizem, na verdade, é que esses curdos que estão na Suécia — muitos deles já integrados total à sociedade sueca — dão aporte, sustentam e apoiam a luta do povo curdo contra o domínio turco no Curdistão”, conta Onnig ao R7.

Já para o cientista político e professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) Leandro Consentino, existe uma relação contemporânea mais determinante para o não à Finlândia e Suécia do que a questão dos curdos do PKK.

“O tema central da oposição turca à entrada desses países parece ter muito mais a ver com as relações do Erdogan com [Vladimir] Putin, com Moscou, do que propriamente relacionado a essa questão menor”, destaca Consentino.

 

 

 

Turquia dá sinais de negociação

Ministro turco Mevlüt Çavusoglu em encontro com Antony Blinken nos EUA

Ministro turco Mevlüt Çavusoglu em encontro com Antony Blinken nos EUA
Eduardo Munoz/Pool/Reuters – 18.5.2022

 

 

 

Se as primeiras especulações de Finlândia e Suécia na Otan não agradaram a Erdogan, o tom do discurso foi diminuindo no decorrer das semanas. Países que fazem parte da Otan e desejam as nações escandinavas na Aliança Militar enviaram delegações a Ancara para conversar com o governo turco.

“O que esses países precisam oferecer é uma questão muito complicada. Na verdade, é o que eles estão procurando descobrir agora”, explica Consentino. “Parece que Erdogan quer conversar e quer de alguma forma obter algumas determinadas vantagens relativas para abrigar esses dois países no bloco”.

Onnig acredita que convencer a Turquia de que os curdos nos países escandinavos não são terroristas é uma tarefa simples, mas que outros embates com países da Europa Ocidental podem pesar na decisão de Erdogan.

“A Suécia, Finlândia e alguns outros países criticaram muito a Turquia na atuação dela na crise da Síria. Alguns dizem apoiando mercenários, outros dizem que dando brechas para o Estado Islâmico. Então realmente vai ser muito difícil esse convencimento.”

A Turquia possui alguns argumentos para barganhar sobre a entrada da Finlândia e Suécia na Otan. O que mais pode impactar a Europa é a grande quantidade de refugiados sírios em campos turcos — assunto extremamente delicado no continente.

“Erdogan, se for contradito, se ele se sentir ameaçado, é capaz de liberar os campos e os refugiados para a Europa. Uma nova onda de refugiados na Europa”, afirma Onnig. “O continente tem muito medo de mexer com a Turquia”.

“A grande questão é saber até onde vai o interesse turco e até onde ele está mais próximo do Ocidente ou mais próximo de Moscou”, ressalta Consentino. “Por enquanto, Erdogan está ganhando tempo. Isso também é precioso em relações internacionais”.

 

 

 

Armas russas, caças americanos

Compra turca de F-35 foi suspensa pelos EUA

Compra turca de F-35 foi suspensa pelos EUA
Marinha Americana/ Wikimedia Commons

 

 

 

Além do Mar Negro, turcos e russos dividem laços estreitos em negócios que não agradam a Otan. Ancara comprou de Moscou uma série de armamentos, que fizeram Washington suspender a entrega de aviões F-35 já pagos por Erdogan, avaliados em 1,4 bilhão de dólares.

Com o poder de vetar a entrada da Finlândia e da Suécia, a Turquia pode finalmente negociar o recebimento destes caças e a aprovação de outras demandas, como o reconhecimento da independência e legitimidade da República Turca do Norte do Chipre.

“A Turquia vem comprando equipamentos da Rússia nos últimos anos, também recebendo críticas até de países da própria Otan. […] Talvez os Estados Unidos entrem na parada para ajudar a convencer a Turquia, aí o assunto muda de patamar porque talvez Ancara queira empréstimos, apoio nas renegociações financeiras, já que a situação interna está muito complicada”, conta Onnig.

“Vamos lembrar que a Otan tem toda uma carga, todo um peso, de ser uma aliança constituída ali em plena Guerra Fria. […] Toda essa questão de história, sem dúvida nenhuma, pesa e é fundamental para o redesenho dessas alianças”, conclui Consentino.